interceptor

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O presente blog, Geografia Conservadora servirá mais como arquivo e registro de rascunhos.
a.h

Tuesday, January 09, 2007

PAÍS PALHAÇO


Por ocasião dos ataques do PCC em São Paulo, entre 12 e 21 de maio do ano passado, que produziram nada menos que 492 mortes, jamais ocorreu ao presidente da República falar em terrorismo. Tratou o problema como uma questão de bandidagem e inclusive ofereceu apoio do Exército ao prefeito da cidade e ao governador do Estado, ambos da oposição. Estávamos em pleno período eleitoral e esse apoio desmoralizava o adversário. Que, percebendo a armadilha, recusou-o. Agora, com as 18 mortes no Rio em dezembro, o Supremo Apedeuta fala taxativamente em terrorismo. E de novo oferece apoio armado do Exército. Só que desta vez ocorreu um imprevisto: Sérgio Cabral, o governador do Rio, não só aceitou o apoio como o pediu. Com essa, o Supremo não contava.


Pânico no Planalto. De repente, a União descobre que não tem estrutura para alojar e muito menos transportar soldados até o Rio. Além do mais, os gatos pingados que conseguirem realizar essa façanha extraordinária de chegar até a cidade que necessita de socorro não participarão de ações em favelas e áreas de risco. Também está descartada a participação das Forças Armadas no patrulhamento das ruas da cidade. Ou seja, estarão em toda parte, exceto onde são necessários. Patrulhar favelas em Port-au-Prince, no Haiti, o Exército brasileiro pode. No Rio, não. Um ofício da Presidência da República fala na "intensificação da atuação na proteção de suas áreas [das Forças Armadas] no Estado", o que deve significar uma presença mais ostensiva dos militares nas proximidades dos quartéis. Quer dizer: se você quiser segurança, vá passear perto dos quartéis.


Foi criada há pouco uma coisa chamada Força Nacional, com policiais de todos os Estados que podem ser chamados a qualquer momento para atender às necessidades de segurança dos Estados. Mas os profissionais da Força Nacional não receberam treinamento adequado para a ação repressiva em favelas. A Força alega, além disso, que não haveria como providenciar, com rapidez, passagens aéreas dos agentes para Brasília e daí para o Rio. Se a tal de Força Nacional não consegue sequer locomover-se para onde se faz necessária, para que existe? Para escorchar ainda mais o contribuinte? Entre militares, a dita força é tão reputada a ponto de ser chamada Força Nacional Tabajara, Força Nacional da Mentira e polícia cenográfica.


Na madrugada de quinta-feira passada, no Rio de Janeiro, um grupo de seis turistas alemães, croatas e austríacos, logo após desembarcar no Galeão, foi assaltado por uma quadrilha em um dos acessos a São Cristóvão. Os turistas foram obrigados a descer e entregar documentos, dinheiro, jóias e câmeras. Os criminosos fugiram. Que faz a prefeitura do Rio? Para amenizar o prejuízo dos seis turistas europeus, ofereceu-lhes um passeio de lancha de duas horas aos fortes Santa Cruz, São João e Laje, ao Museu de Arte Contemporânea, à ponte Rio-Niterói e à Ilha Fiscal. Neste domingo, um canadense foi morto ao reagir a um assalto em Fortaleza. Se a moda pega, não me espantaria que oferecessem ao cadáver um tour pelas praias do Estado. Quanto a turistas ou cidadãos brasileiros, estes podem ser assaltados à vontade que jamais ganharão um passeio-consolação pela baía de Guanabara. Brasileiro que se lixe. Brasileiro não traz divisas.


Em meio a este festival de besteiras, José Serra, o novo prefeito de São Paulo, sanciona uma lei para tentar acabar com os caça-níqueis espalhados por São Paulo. Agora os bares, restaurantes e outros estabelecimentos que tiverem o equipamento serão multados e as máquinas removidas, mesmo que desligadas ou até desmontadas. A lei já está em vigor, mas ainda precisa ser regulamentada com a definição de valores das multas e pessoal responsável por fiscalização e apreensão. O texto da lei prevê punição tanto para donos quanto locatários e depósitos dos aparelhos. É o que leio nos jornais.


Só que há um detalhe: estas máquinas caça-níqueis já são consideradas contravenção por uma lei federal de 1995. Como o jogo do bicho, os infratores podem ser julgados em Juizados Especiais Criminais e, tanto jogador como apontador pegos em flagrante, são levados para a delegacia e prestam esclarecimento para que seja lavrado um tal de Termo Circunstanciado, que suponho que sirva apenas para registrar que os infratores foram pegos em flagrante, e nada mais que isso. Em meu bairro - que é um bairro nobre - em meia hora de caminhada você tropeça com uma dezena de botecos e padarias com máquinas caça-níqueis e apontadores do bicho, todos operando a portas abertas, sem que polícia alguma os perturbe.


A propósito, alguém ainda lembra da indignação presidencial quando Waldomiro Diniz, assessor especial do ministro José Dirceu, foi pego em flagrante extorquindo dinheiro de um empresário para o caixa 2 do PT? O Supremo Apedeuta, com a fúria dos justos, resolveu acabar com os bingos no dia seguinte e arrotou decreto proibindo a jogatina. Providência típica de marido que tira o sofá da sala porque sua mulher o traiu no sofá. Que é feito hoje dos bingos? Passam bem e muito bem. Funcionam a portas abertas, em prédios faraônicos, em todas as grandes cidades do país.


José Serra, o prefeito que sancionou a nova lei contra os caça-níqueis, é o mesmo senhor que, quando ministro da Saúde, baixou uma portaria ou coisa que o valha determinando a proibição da venda de álcool líquido nas farmácias e supermercados. Ora, o álcool líquido é algo necessário para a limpeza doméstica. Há alguns anos, saí à procura do dito nos supermercados e farmácias de meu bairro e nada feito. "Está proibido por lei", me diziam os funcionários, com uma cara de quem acredita em leis. Claro que atrás disso havia um poderoso lobby do álcool gel.


Fui então procurar pessoa sensata, a dona Maria. Dona Maria tem uma quitanda a duas quadras aqui de casa. Lá havia álcool líquido à vontade. "Mas, dona Maria, a senhora não sabe que a venda do álcool líquido está proibida por lei?" "Não tenho a mínima idéia" - me respondeu -, "aqui não passou ninguém pra me avisar". Sem que tenha sido revogada a dita lei, supermercados e farmácias adotaram a filosofia da dona Maria. Hoje você encontra o produto em qualquer esquina. Mas a lei que o proíbe continua em vigor.


Por outro lado, o Estado de São Paulo vem há anos embalando uma situação de trágicas conseqüências futuras. Mais de três milhões de pessoas já invadiram áreas de preservação, como a represa de Guarapiranga, que abastece a capital. São ocupações ilegais, promovidas por candidatos a vereadores e a deputados em busca de votos. Pois bem: na calada do final de ano, a Câmara Municipal aprovou a isenção de pagamento do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) aos moradores ilegais dessas áreas.


Na represa Guarapiranga - segundo o Estado de São Paulo - vivem hoje cerca de 1,5 milhão de pessoas, praticamente metade em condições irregulares. A maior parte já não paga IPTU, e não existe matrícula do imóvel regularizado na Secretaria de Finanças. A ocupação ilegal da região de mananciais ameaça o futuro abastecimento de água da cidade. Seus vereadores criam leis para estimular a ocupação ilegal.


As autoridades estimulam o ilícito. Criam leis e instituições inviáveis que para nada servem. O que só serve para desmoralizar leis e instituições. Dá pra viver em país assim? O mais incrível é que dá. Não sei como, mas dá.


- Enviado por Janer @ 10:33 PM

http://cristaldo.blogspot.com/

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O país carece de gestão. Com juristas e juízes fazendo confusão e não prevendo as conseqüências de suas posições descoladas da realidade, idiossincrasias e idiotias como estas nos tornam reféns de palhaços. Para dizer o mínimo...





Esta foto da ocupação irregular da Represa de Guarapiranga fala por si própria:





Em http://www.fau.usp.br/amantesdafotografia/amantes2004/imagens/fotos/Angela%20Garcia%20-%20Represa%20de%20Guarapiranga.gif

a.h